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Nara Leão...

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quinta-feira, 5 de julho de 2012

Tropicália





A Tropicália foi uma expressão colhida de um projeto ambiental do arquiteto Hélio Oiticica na exposição “Nova Objetividade Brasileira”, exposta no MAM no Rio de Janeiro, em 1967 – a qual caracterizava um estado da arte do Brasil de vanguarda, confrontando-o com os grandes movimentos artísticos mundiais em busca de uma estética puramente brasileira. O conceito de Tropicália evidenciava a necessidade de representar um estado brasileiro como elemento importante na cultura nacional.

A exposição relacionava o contexto das vanguardas da época e as diversas manifestações da arte. Consistia num ambiente formado por duas tendas que o autor chamava de penetráveis. O cenário tropical era composto de areia, brita espalhada pelo chão, araras e vasos com plantas e uma espécie de labirinto que percorria a tenda principal, às escuras. Ao fundo, o público se deparava com um aparelho de televisão ligado, totalmente contra os padrões tradicionais da escultura e da pintura. Hélio construiu uma obra radical em que a vida e a arte consistiam num só elemento, afirmando o seguinte:
A Tropicália veio contribuir fortemente para essa objetivação de uma imagem brasileira total, para a derrubada do mito universalista da cultura brasileira, toda calcada na Europa e na América do Norte, num arianismo inadmissível aqui: na verdade quis eu com a Tropicália criar o mito da miscigenação – somos negros, índios, brancos, tudo ao mesmo tempo – nossa cultura nada tem a ver com a europeia, apesar de estar até hoje a ela submetida: só o negro e o índio não capitularam a ela. Quem não tiver consciência disso que caia fora. Para a criação de uma verdadeira cultura brasileira, característica e forte, expressiva ao menos, essa herança maldita europeia e americana terá de ser absorvida, antropofagicamente, pela negra e índia da nossa terra, que na verdade são as únicas significativas, pois a maioria dos produtos da arte brasileira é híbrida, intelectualizada ao extremo, vazia de um significado próprio. (...) É a definitiva derrubada da cultura universalista entre nós; da intelectualidade que predomina sobre a criatividade – é a proposição da liberdade máxima individual como meio único capaz de vencer essa estrutura de domínio e consumo cultural alienado. (...)

O mito da tropicalidade é muito mais do que araras e bananeiras: é a consciência de um não condicionamento às estruturas estabelecidas, portanto altamente revolucionário na sua totalidade. Qualquer conformismo, seja intelectual, social, existencial, escapa à sua ideia principal. Por meio de suas experiências com o samba, com os morros e com as favelas cariocas, principalmente da arquitetura dos grandes centros urbanos, a arte das ruas, das coisas inacabadas, dos terrenos baldios, surgiu uma de suas maiores invenções: os Parangolés – criados artesanalmente com telas, panos, plásticos, materiais pintados, a princípio, em formato de estandartes, bandeiras e tendas. Depois, alguns desses materiais ganharam formas de grandes capas, para serem vestidas. Algo semelhante às fantasias, às roupas e às esculturas móveis que propiciaram uma espécie de campo experimental. Os Parangolés exploraram uma nova relação com o espaço e evidenciaram a participação do espectador na obra.

Entre as obras mais significativas que influenciaram o movimento tropicalista estão: A Tropicália e o estandarte: Seja Marginal, seja herói. A primeira emprestou seu nome a canção composta por Caetano Veloso, por sugestão do cineasta Luis Carlos Barreto e para denominar o próprio movimento tropicalista. A segunda foi uma homenagem à Cara de Cavalo – famoso marginal carioca morto pela polícia – compôs o cenário dos shows onde Caetano, Gil e os Mutantes realizaram na boate Sucata, no Rio de Janeiro em 1968 e acabou servindo como pretexto político para suspensão da temporada pelas autoridades. O tropicalismo significou a saída para um impasse surgido com mais uma volta às “fontes de nacionalidade”, intensificando o protesto contra o subdesenvolvimento, o internacionalismo artístico “decadente burguês”. Tal fato levou os tropicalistas a tornarem a linguagem da música popular mais universal; transformaram o cenário político da época, contra a apatia predominante, o marasmo nacional através dos elementos que a cultura possuía de mais forte: a arte, a poesia, a música e o teatro. E assim afirmou Gilberto Gil:
(...) Na música pop, os Beatles passam a utilizar todos os tipos de música e de instrumentação eruditas que não pertenciam ao que chamavam iê-iê-iê. Estão evoluindo sempre, enquanto no Brasil a própria música chamada jovem se torna conservadora. E na música popular brasileira o conservadorismo é muito pior. Se pensássemos sempre assim, estaríamos tocando nossas músicas com instrumentos indígenas. É preciso pensar em termos universais. O mundo hoje é muito pequeno, não há razões para regionalismos (...)

Nessa produção cultural engajada, o teatro foi o principal setor a se reorganizar após o golpe militar de 64 e a reaver a atuação política. No mesmo ano, em que Gilberto Gil e Caetano Veloso movimentaram a MPB, o grupo de teatro Oficina, dirigido por José Celso Martinez – constituindo um novo caminho para a arte teatral brasileira, até então representada pelo “teatrão” do TBC (Teatro Brasileiro de Comédias) e pelo trabalho do recém-criado Teatro de Arena (onde Augusto Boal, Oduvaldo Vianna Filho e Gianfrancesco Guarnieri realizavam montagens de caráter político). Rompia-se com a estética do teatro clássico. O Oficina desenvolveu um estilo de “provocação cruel”, tentou atingir ao público por meio da investigação agressiva.

Os padrões do “bom comportamento” e do “bom gosto” deram lugar à arte suja, nem sempre acolhida pela cultura tradicional. A relação do teatro e o Tropicalismo se estabeleceu através da encenação da peça o Rei da Vela de Oswald de Andrade, em 1967. O projeto tropicalista afinava-se com a aspiração e a influência da poesia concreta que resgatou propostas que percorriam difusamente os movimentos de vanguarda, em particular, o futurismo e o dadaísmo. O aspecto experimental do espetáculo reuniu feições circenses, a chanchada, o deboche, o sexo e a pornografia promovendo em uma parte do público, fascínio; e em outra, revolta, ao inaugurar o teatro de tons agressivos. Tal estratégia, adotada, por José Celso, para romper o efeito alucinógeno no qual o público de classe média se encontrava. Caetano identificou-se com as cenas do espetáculo, percebendo o surgimento de algo novo no panorama artístico-cultural do Brasil.

[pesquisa Ricardo Janoário]
De repente a palavra tropicália começa a ficar superbadalada. Por um lado isso é até cômodo, porque facilita um bocado a linguagem do dia-a-dia, eliminando uma série de substantivos e adjetivos. TROPICALIA passa a definir tudo: exuberância, cafonice, aparatos coloridos e apoteóticos, flores, frutas, selva e sabe-se lá mais o quê. Por outro lado a coisa toma um certo ar de bagunça, desgastando-se sem ao menos ter-se tomado conhecimento de seu verdadeiro sentido. O termo foi criado por Hélio Oiticica (“sobre quem “o crítico inglês Guy Brett, na Bienal de Paris, se referiu dizendo:” A sensibilidade de Oiticica poderá afetar fortemente a arte americana e européia”), para designar sua obra apresentada no MAN, na exposição Nova Objetividade Brasileira, em abril de 1967. Acrescenta-se ainda que nova objetividade, parangolé (empregado para designar uma criação plástica), arte supra-sensorial, foram termos também criados por Oiticica. Por coincidência, mesmo, Caetano Veloso (ele não conhecia Hélio, nem seu trabalho) lançou em seu último LP uma composição sua, nova, com o título TROPICÀLIA. A ideia de uma e outra estão bem entrosadas, em perfeita sintonia. Colhemos hoje um depoimento de Hélio Oiticica sobre a sua TROPICÁLIA:
Quando criei a minha obra-ambiente TROPICÁLIA(1966-67), duas coisas queria, de modo objetivo: uma era sintetizar tudo o que vinha fazendo há tempos no sentido se uma arte-ambiental(ou antiarte, como queiram), outra era marcar, com o conceito de tropicália, um novo modo objetivo de caracterizar certos elementos na manifestação atual da arte brasileira, que se possam erguer como figura autônoma, não-cosmopolita, opondo-se num novo modo ao Op e Pop internacionais (ver entrevistas no Jornal do Comércio, 21-5-67 e 16-7-67).
Só quando formulei a ideia de Parangolé, em 1964, embocava nesse sentido conscientemente-TROPICÁLIA seria uma síntese de várias tendências por mim abarcadas: participação do espectador na obra, proposições ambientais-sensoriais, antitecnologia são(notar que essas obras são quase que artesanais, feitas à mão, como as capas-protesto que enviei para a Bienal de Paris, em esteiras, aniagem etc.).
Como cheguei a isso é uma longa historia: a descoberta no morro da favela carioca, do bas-fond do Rio e a minha iniciação no samba como passista da Mangueira- foi tudo um processo de anos para cá, propositalmente anti-intelectual. Enquanto muitos sonham com Paris, Londres, Nova York, etc., eu me dedico há anos ao que chamo de “volta ao mito”- com isso longe de ser uma atitude intelectual, abstrata, foi uma experiência decisiva no contexto da cultura brasileira-, a descoberta de forças expressivas latentes nesse contexto: não acredito numa arte cosmopolita (característica mais encontrada aqui)- para ser universal só desenvolvendo nossa própria capacidade expressiva: a dança, o rito, todas as manifestações populares (Pangarolé era a busca dessa origem), o tropicalismo brasileiro, as festas coletivas etc. Nossa pobre cultura universalista, baseada na europeia e americana, deveria voltar-se para si mesma, procurar seu sentido próprio, voltar a pisar no chão, a fazer com a mão, voltar-se para o negro e o índio, à mestiçagem: chega de arianismo cultural no Brasil!

[fonte: Marisa Alvarez Lima, Marginália, arte e cultura na idade da pedrada. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2002]

VIVA O CHACRINHA!


Existem argumentos a serem invocados para discutir-se o que seja cultura, não definições: a cultura como uma totalidade definindo-se como cultura. Quando Caetano diz ser o Chacrinha muito mais cultura que Flávio Cavalcanti, tem-se aí um ponto de vista fundamental para essa discussão. “O conceito de Caetano coincide com o meu, segundo o qual o grande erro é querer-se transformar a cultura, nas suas manifestações, em algo “bem comportado”, bonito”, digno dos lares burgueses com seus preconceitos do que seja bom ou mau, etc. Desde cedo aprendi uma coisa importantíssima: nas manifestações da criação humana tudo vale principalmente o que violente nosso bem estar conformista.
Quando vi Klee pela primeira vez me irritei: algo mudara em mim; mas esse algo cresceu, objetivou-se e o próprio Klee me ensinou a desconsiderar completamente o que chamamos de bom e de mau gosto:em arte isso não existe, o que existe é a imaginação criadora de cada indivíduo, que não deve nem pode parar. Antigamente eu não dava a menor importância ao programa do Chacrinha gostava mas não ligava muito.De repente, foi-se tornando para mim importante, interessei-me em ver sempre que possível o seu programa: algo é sempre acrescentado a cada um, como elemento criador.
É uma manifestação espontânea sempre dinamicamente improvisada, de um estado criador. Por que “então os chamados “cultos” e “sérios” da nossa cultura vivem a dizer:” loucura! Burrice! Retrato do Brasil subdesenvolvido”, etc.? Na verdade, o retrato negativo dessa cultura brasileira são eles mesmos, com essa eterna mania universalista e acadêmica de serem europeus ou americanos. Pois eu sei que sou inteligente e criador, e digo: alimenta-me muito mais o programa do Chacrinha que os milhares de artiguetes literários ou exposiçõezinhas de arte que há por aí.
Os meus Parangolés pode ser mais facilmente apreendidos num contexto como o do programa do Chacrinha ou a quadra da Escola de Samba da Mangueira do que numa galeria de arte. Uma coisa é viva: o programa do Chacrinha; as outras são paliativos impostos por uma burguesia agonizante para impingir o seu status à coletividade, seu gosto e sua moral agonizantes e improdutivos. Daí então vem Flávio Cavalcanti condenar, por exemplo, a música caipira:”Isso é ruim”, esperneia ele;”ouça Marcos Valle, isto é bom!”. E por aí vai, como se o fenômeno criador fosse algo controlado segundo um padrão de gosto, de bem e de mal, e outros cacoetes burgueses e intelectualóides. Há algum tempo não ouvia os discos de Ângela Maria. Deu-me repentina vontade de ouvi-los. Achei-os mais belos do que nunca. Ângela é realmente genial, integra, total, quando canta vive. Pois criaram aí o mito de que Ângela Maria é cafona, ruim, é submúsica, etc., conceitos que não existem.
Essas pessoas são as mesmas que outrora condenavam tudo de bom: hoje continuam do mesmo modo. Por quê? Obra de quem escolhe ou diz isso é bom, aquilo é ruim: os criticóides, a burrice entronizada em alguns jornais e revistas, e os grupinhos semi-intelectualizados da classe média- os burgueses que acham a dama do high society elegantíssima( para mim ela é que de uma cafonice exemplar). Mas, dentro desse contexto, existem exceções, como Maria Bethânia, por exemplo, com toda sua personalidade de grande cantora e sua inteligência lúcida: ela não hesitou em repor Ângela Maria. É impossível que as vivencias que tenho sejam falsas, pensava eu outro dia. Por que é que se fecham as pessoas em conceitos? Adoro os Beatles ou Roberto Carlos, Chico Buarque ou Caetano, Clementina ou Cartola, Luís Gonzaga ou Billy Holliday, Mangueira ou Portela.O difícil é ser total -é preciso para ser criador, ser aberto.

[fonte: Marisa Alvarez Lima, Marginália, arte e cultura na idade da pedrada. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2002]

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